quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Paradoxo é isso!

Cozinhar é paradoxal. Pense naquele prato sereno que chega à mesa de seus convivas: tão sóbrio! Comida pousada delicadamente sobe a porcelana, que a expõe como uma obra de arte, para que quem  vai comê-la possa começar a saciar-se quando vê o garçon cruzando o salão em desfile e hostentação de sua propriedade. Aquilo que em pouco tempo será a pessoa, se tornará corpo e espírito de quem come. Quase dá para ouvir Michel-Richard Delalande enquanto se pensa.
Mas experimente rebobinar a fita. Encontrará o caos! Aos olhos de quem observa por trás da porta do salão, sob a cortina de ar – causando um leve desconforto sensorial – a cozinha é o purgatório: o tilintar frenético dos metais, o calor constante excessivo, os gritos de anunciação. Tudo isso, enquanto os penitentes, todos trajando vestes que cumprem a função de cobrir o corpo pouco menos que todo, são conduzidos pela comida que preparam numa dança, quase polka, entre forno e fogão no mexe e remexe do que assa, tosta, grita, grelha, esfria, esquenta, frita...
Cozinha calado, agitado, sempre atrasado (porque quem tem fome sente minutos como horas) não perde o ponto; prepara o prato; mais um pedido gritado; refaz o prato que volta... enquanto sua criação já segue pelo salão em direção ao clímax do conto: a primeira garfada. Depois disso é só o desfecho e, se tudo deu certo, um glorioso “felizes para sempre”.

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